30 de jun. de 2014

COLÓQUIO MARGUERITE DURAS | CONVERSAÇÕES

COLÓQUIO
Marguerite Duras
Uma Poética do Transbordamento

Dias 25 / 26 / 27 de setembro | 2014 - Belém (PA)
Local: CINEMA OLYMPIA | Av. Presidente Vargas - Nº 918  

CONVERSAÇÕES: 






I
AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO (MA)
Marguerite Duras: variações sobre “um vagabundo não arrependido”.

Agostinho Ramalho Marques Neto. Psicanalista, professor universitário nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política. Membro fundador do Núcleo de Direito e Psicanálise  do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.  Membro da Academia Maranhense de Letras.​ Autor do livro A Ciência do Direito: Conceito, Objeto, Método. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, e de vários artigos publicados nas áreas de Filosofia
do Direito, Filosofia Política e Teoria Psicanalítica.



2
ANA MARIA MEDEIROS DA COSTA (RS)
"Olhar e errância na poética de Duras"

Ana Maria Medeiros Da Costa. Psicanalista, membro da APPOA, Profa. colaboradora do PPG em Psicanálise da UERJ, Pesquisadora do CNPq, Coordenadora da Rede de Pesquisa Escritas da Experiência, autora dos livros "Tatuagem e marcas corporais" (Ed. Casa do Psicólogo), "Clinicando" (APPOA), "Sonhos" (Jorge Zahar), "Corpo e escrita" (Relume-Dumará), "A ficção do si mesmo" (Cia. de Freud).  



3
ELISABETH BITTENCOURT (RJ)
É de tanto não existir que Marguerite Duras existe tanto.

Elisabeth Bittencourt. Psicanalista e Escritora. Analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Coordenadora dos Encontros de Psicanálise e Direito da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Foi consultora do Projeto contra a violência sexual da Secretaria de Saúde do estado do Pará. Autora do livro “A vaidade no feminino” (Cia de Freud).






4
FLAVIA TROCOLI (RJ)
"Flor de amor que morde o peito: Lol V. Stein e o efeito Duras"

Flavia Trocoli Xavier da Silva é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pós-doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. É membro-fundador do Centro de Pesquisas Outrarte - psicanálise entre ciência e arte, do IEL/UNICAMP.



5
LUCIANA SILVIANO BRANDÃO LOPES (MG)
O ser-a-tres e "O deslumbramento de Lol V. Stein"

Luciana Silviano Brandão Lopes é psicanalista e doutoranda em Literatura Comparada  na UFMG.




6
LUCIANA BRANDÃO CARREIRA (PA)
Duras, o amor, a escrita... e a experiência da extimidade.

Luciana Brandão Carreira é poeta, ensaísta, escritora, psicanalista e psiquiatra. É doutora em Psicanálisepela UERJ, com doutorado sanduíche na Université Paris XIII, bem como pesquisadora da rede internacional de pesquisa Escritas da Experiência (CNPq).  É professora adjunto da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e supervisora clínica do ambulatório de Saúde Mental no Cesupa, em Belém. É autora dos livros “Entre “(Verve, 2014) e “Os tempos da escrita na obra de Clarice Lispector – no litoral entre a literatura e a psicanálise” (Cia de Freud, 2014)



7
NILSON OLIVEIRA (PA)
M.D: escrever ou a escrita como vontade

Nilson Oliveira. Escritor e ensaísta, editor da revista Polichinello. Autor de "A literatura e os possíveis da escrita literária" (Lumme Editor, 2011)





8
PAULO FONSECA ANDRADE (MG)
"Aqui é S. Talah, até o rio." – Marguerite Duras e a experiência da escrita.

Paulo Fonseca Andrade é Doutor em Literatura Comparada (2005) pela Universidade Federal de Minas Gerais, com a tese "Nada no dia se vê da noite esta passagem: amor, escrita e tradução em Marguerite Duras", atualmente é professor de Literatura na Universidade Federal de Uberlândia, atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Estudos Literários. Realiza pesquisa sobre a experiência literária a partir de Maurice Blanchot e Marguerite Duras. Nos últimos anos, tem se dedicado também ao ensino de Literatura Infantil e Juvenil.



9
RUTH SILVIANO BRANDÃO (MG)
" La mer écrite: la mer,la mère, l' amer".

Ruth Silviano Brandão é doutora em Literatura Comparada pela UFMG, com Pós-doutorado pela Universidade de Paris VIII. É ensaísta, romancista, poeta, tradutora e artista plástica. Dentre seus livros, constam: Mulher ao pé da letra-a personagem feminina na literatura, Machado de Assis leitor (pela ed. UFMG),  A vida escrita (7Letras), A mulher escrita (Lamparina), Literaterras (Annablume) e A força da letra (Ed. UFMG), os três últimos em co-autoria com Lúcia Castello Branco. Escreveu romances com,o Minha ficção daria uma vida, poesia: Ventos e sóis alumbram o dia , traduziu  O nascimento da poesia - Antonin Artaud, de Jean-Michel Rey (Autêntica) dentre outros,É pesquisadora nível1 do CNPq.










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MAIS INFORMAÇÕES:

revista.polichiello@gmail.com




CURADORIA:
Elisabeth Bittencourt
Luciana Brandão Carreira
Nilson Oliveira




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MOSTRA DE CINEMA Marguerite Duras



MOSTRA DE CINEMA
Marguerite Duras



COLÓQUIO MARGUERITE DURAS:
Uma Poética do Transbordamento
celebração ao centenário da escritora


De 25 a 28 de Setembro  Belém (PA)





PROGRAMAÇÃO:

DIA 25 | QUINTA-FEIRA 
17h – Exibição do documentário: ÉCRIRE (1993).
Direção: Benoit Jacquot.
Duração: 45 min
Local: Cine Olympia


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DIA 26 | SEXTA-FEIRA
14H – EXIBIÇÃO DO FILME:  INDIA SONG (1975).
Direção: Marguerite Duras
Elenco principal: Delphine Seyrig, Michael Lonsdale, Mathieu Carrière.
Duração: 115 min
Local: Cine Olympia


19H30 – EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO: A MORTE DO AVIADOR INGLÊS (1993)
Direção: Benoit Jacquot.
Duração: 81 min
Local: Cine Olympia

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DIA 27 | SÁBADO
MANHÃ – CINE LIBERO LUXARDO
TARDE E NOITE – CINE OLYMPIA


11H – REAPRESENTAÇÃO DO DOCUMENTÁRIO: A MORTE DO AVIADOR INGLÊS (1993). 
Direção: Benoit Jacquot.
Duração: 81 min.
Local: Cine Libero Luxardo.



14H30 – EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO: LES GRANDS ENTRETIENS DE BERNARD PIVOT – MARGUERITE DURAS Gallimard /Ina) documentário  
Réalisation Jean-Luc Leridon 1984
Duração: 1h16
Local: Cine Olympia




20H- EXIBIÇÃO DO FILME: HIROSHIMA MON AMOUR (1959) . 
Direção: Alain Resnais. 
Elenco principal: Emmanuelle Riva, Eiji Okada, Stella Dassas,Pierre Barbaud, Bernard Fresson. 
Duração: 90 min.
Local: Cine Olympia

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DIA 28 | DOMINGO
MANHÃ – CINE LIBERO LUXARDO
TARDE E NOITE – CINE OLYMPIA

11H – REAPRESENTAÇÃO DO FILME: HIROSHIMA MON AMOUR (1959). 
Direção: Alain Resnais. 
Elenco principal: Emmanuelle Riva, Eiji Okada, Stella Dassas,Pierre Barbaud, Bernard Fresson. 
Duração: 90 min.
Local: Cine Libero Luxardo.



15H- EXIBIÇÃO DO FILME: O AMANTE (1992). 
Direção: Jean-Jacques Annaud
Elenco principal: Jane March, Tony Leung. 
Duração: 115 min .
Local: Cine Olympia



17H- EXIBIÇÃO DO FILME: NATHALIE GRANGER (1972).
Direção: Marguerite Duras.
Elenco principal: Lucia Bosé, Jeanne Moreau, Gérard Depardieu.
Duração: 83 min.
Local: Cine Olympia.



ENTRADA FRANCA, com lugares limitados por ordem de chegada.
Serão oferecidos certificados aos participantes do Colóquio
Local da mostra e do colóquio: Cinema Olympia. 
Local das reapresentações dos filmes: Cinema Libero Luxardo



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26 de jun. de 2014

Marguerite Duras | Maurice Blanchot



M.D a doença da morte 
Por Maurice Blanchot







Introduzo aqui, de uma maneira que pode parecer arbitrária, páginas escritas sem outro pensamento que o de acompanhar a leitura de um relato quase recente (mas a data não importa) de Marguerite Duras. Sem a ideia clara, em todo caso, de que esse relato (em si mesmo suficiente, o que quer dizer perfeito, o que quer dizer sem saída) me reconduziria ao pensamento, prosseguido por outro lado, que interroga o nosso mundo – o mundo que é nosso por não ser de ninguém – a partir do esquecimento, não das comunidades que nele subsistem (elas, antes, se multiplicam), mas da exigência «comunitária» que as assombra talvez, mas se renuncia a elas quase seguramente.


***



Qualquer que seja a importância do amor platônico, filho do vazio ávido e do recurso retorcido, sente-se bem que a concepção de Fedro não é refutada. O amor, mais forte que a morte. O amor que não suprime a morte, mas passa o limite que esta representa e, assim, torna-a sem poder em relação à assistência a outrem (esse movimento infinito que leva em direção a ele e, nessa tensão, não deixa o tempo de voltar ao cuidado de «mim»). Não para glorificar a morte ao glorificar o amor, mas talvez, ao contrário, para dar à vida uma transcendência sem glória que a põe, sem termo, a serviço do outro.

Não digo que, por aí, ética e paixão se reencontrem confundidas. À paixão resta em propriedade e em conta que seu movimento, pouco resistível, não desarranja a espontaneidade, nem o conatus, mas é, ao contrário, a oferta superior deles, que pode ir até a destruição. Não cabe, pelo menos, acrescentar que amar é certamente ter em vista só o outro, não como tal, mas como o único que eclipsa os outros e os anula? Daí por que a desmesura seja sua única medida, e a violência e a morte noturna não possam ser excluídas da exigência de amar. Assim como o relembra Marguerite Duras: A vontade de estar à beira de matar um amante, de guardá-lo para vós, para vós só, de tomá-lo, de roubá-lo contra todas as leis, contra todos os impérios da moral, vós não a conheceis...?. Não, ele não a conhece. De onde o implacável e o desdenhoso veredicto: É curioso um morto.

Ele não responde. Vou me guardar de responder em seu lugar, senão, voltando ainda aos gregos, eu murmura ria: Mas eu sei quem sois vós. Não a Afrodite celeste ou uraniana que só se satisfaz com o amor das almas (ou dos rapazes), nem a Afrodite terrestre ou popular que quer ainda os corpos e até mesmo as mulheres, a fim de que, por elas, o amor seja engendrado; nem somente uma, nem somente a outra; mas vós sois ainda a terceira, a menos nomeada, a mais temida e, por causa disso, a mais amada, aquela que se esconde por trás das outras duas das quais ela não é separável: a Afrodite ctônica ou subterrânea que pertence à morte17 e a ela conduz aqueles que ela escolhe ou que se deixam escolher, unindo, como se vê aqui, o mar do qual ela nasce (e não cessa de nascer), a noite que designa o perpétuo sono e a injunção silenciosa dirigida à «comunidade dos amantes», a fim de que estes, respondendo à exigência impossível, se exponham um para o outro à dispersão da morte. Uma morte, por definição, sem glória, sem consolação, sem recurso, à qual nenhum outro desaparecimento saberia se igualar, à exceção talvez daquele que se inscreve na escritura, quando a obra que é a sua deriva é, de antemão, renúncia a fazer obra, indicando somente o es paço onde ressoa, para todos e para cada um, e, portanto, para ninguém, a palavra sempre por vir do desobramento.


Pelo veneno da imortalidade
Se acaba a paixão das mulheres
(Marina Tsvetaieva, Eurídice a Orfeu)



***




A comunidade dos amantes – quer estes a queiram ou não, quer gozem dela ou não, quer estejam ligados pelo acaso, «o amor louco», a paixão da morte (Kleist) – tem por fim essencial a destruição da sociedade. Lá onde se forma uma comunidade episódica entre dois seres que são feitos ou que não são feitos um para o outro, se constitui uma máquina de guerra ou, para melhor dizer, uma  possibilidade de desastre que porta em si, mesmo que seja em dose infinitesimal, a ameaça da aniquilação universal. É nesse nível que é preciso considerar o «roteiro» que se impôs a Marguerite Duras e que necessariamente a implica a ela mesma desde o momento em que ela o imaginou. Os dois seres que nos são mostrados representam, sem alegria, sem felicidade, e tão separados quanto pareçam, a esperança de singularidade que eles não podem compartilhar com nenhum outro, não somente porque eles estão encerrados, mas porque, em sua indiferença comum, estão encerrados com a morte que uma revela ao outro como aquilo que ele encarna e como o golpe que ela gostaria de receber dele, sinal da paixão que ela espera em vão. De uma certa maneira, pondo em cena um homem que está separado para sempre do feminino, mesmo quando ele se une a uma mulher casual a que ele proporciona um gozo que ele não compartilha, Marguerite Duras pressentiu que era preciso ultrapassar o círculo imantado que figura, com complacência demais, a união romântica dos amantes, ou seja, que estes fossem cegamente levados pela necessidade de se perder mais do que pela preocupação em se encontrar. E, no entanto, ela reproduz uma das eventualidades que o imaginário de Sade (e sua vida mesma) nos ofereceu como o exemplo banal do jogo das paixões. A apatia, a impassibilidade, o não-lugar dos sentimentos e a impotência sob todas as suas formas, não somente não impedem as relações dos seres, mas conduzem essas relações ao crime, que é a forma última e (se podemos dizer) incandescente da insensibilidade. Mas, justa mente, no relato que nós viramos e reviramos como que para extorquir-lhe o segredo, a morte é chamada e, ao mesmo tempo, desvalorizada, a impotência sendo tal que ela não vai até lá,quer ela pareça mesurada demais ou, ao contrário, quer ela atinja a uma desmesura que Sade mesmo ignora.







Eis o quarto, o espaço enclausurado aberto à natureza, fechado aos outros homens, onde, durante um tempo indefinido calculado em noites – mas cada noite não saberia tomar fim – dois seres tentam se unir apenas para viver (e, de uma certa maneira, celebrar) o fracasso que é a verdade daquilo que seria sua união perfeita, a mentira dessa união que sempre se cumpre não se cumprindo. Eles formam, apesar disso, alguma coisa como uma comunidade? É, antes, por causa disso que eles formam uma comunidade. Eles estão um ao lado do outro, e essa contiguidade que passa por todas as espécies de uma intimidade vazia os preserva de encenar a comédia de um entendimento «fusional ou comunial». Comunidade de uma prisão, organizada por um, consentida pela outra, onde aquilo que está em jogo, é justamente a tentativa de amar, mas para Nada, tentativa que não tem enfim outro objeto além desse nada que os anima, sem que eles saibam, e que não os expõe a nada além do que a se tocar em vão. Nem alegria, nem ódio, um gozo solitário, lágrimas solitárias, a pressão de um Superego implacável, e finalmente uma só soberania, aquela da morte que rodeia, que se deixa evocar e não partilhar, a morte da qual não se morre, a morte sem poder, sem efeito, sem obra que, na derrisão que ela oferece, guarda a atração da «vida inexprimível, a única no final das contas à qual tu aceitas te unir» (René Char). Como não buscar nesse espaço onde, durante um tempo que vai do crepúsculo à aurora, dois seres não têm outra razão de existir além de se expor inteiramente um ao outro, inteiramente, integralmente, absolutamente, a fim de que compareça, não a seus olhos mas a nossos olhos, sua comum solidão, sim, como não buscar nesse espaço e como não reencontrar nele «a comunidade negativa, a comunidade dos que não têm comunidade»?


***

De uma certa maneira, não deve escapar que eu não falo de modo mais exato, como seria necessário, do texto de Marguerite Duras. Se me esforço a menos traí-lo, reencontro a estranheza da jovem mulher que está sempre lá, e como que eternamente, em sua fragilidade, pronta para acolher tudo aquilo que poderia lhe ser pedido. Mas, tão logo isso é escrito, me dou conta de que é preciso nuançar: ela é recusa também: por exemplo, ela se recusa a chamá-lo por seu nome, quer dizer, a fazê-lo existir nominalmente; do mesmo modo que ela não lhe aceita as lágrimas das quais ela só dá uma interpretação restritiva: ela as ignora, protegida que ela é dele, obstruindo o mundo por inteiro sem lhe deixar o menor lugar; do mesmo modo, enfim, que ela se recusa a ouvir a história da criança, de sua infância pela qual, sem dúvida, ele gostaria de justificar, tendo amado demais a sua mãe, não poder amar esta de novo incestuosamente nela – história única para ele, banal para ela (ela ouviu e leu também muitas vezes essa história, por toda parte, em muitos livros). O que significa que ela não saberia se limitar a ser mãe, um substituto da mãe, ultrapassando toda especificidade que a caracterizaria como fulana ou sicrana, por aí, o absolutamente feminino, e, no entanto, esta mulher, viva ao ponto de estar perto da morte se ele fosse capaz de dar a ela a morte. Ela acolhe, portanto, tudo dele, sem cessar de encerrá-lo em sua clausura de homem que não tem relações senão com outros homens, o que ela tende a designar como a «doença» dele ou como uma das formas dessa doença, por ela mesma infinitamente mais vasta.








Sua doença? A doença da morte? Ela é misteriosa; ela é repulsiva, é atraente. É porque a jovem mulher pressentiu que ele era atingido por ela ou que ele era atingido por uma singularidade ainda difícil de nomear, que ela aceitou o contrato, quer dizer, encerrar-se com ele. Ela acrescenta que soube, desde quando ele falou, mas que ela soube sem saber, sem poder ainda nomear: Durante os primeiros dias eu não soube nomear essa doença. E, depois em seguida, pude fazê-lo. Mas as respostas que ela dá ao assunto de uma tal doença mortal, por mais precisas que sejam, e que levam novamente a dizer: ele morre por não ter vivido, morre sem que sua morte seja morte para qualquer vida (ele não morre, portanto, ou sua morte o priva de uma falta da qual ele não terá jamais conhecimento), tais respostas não têm um valor definitivo. Ainda mais porque é ele, o homem sem vida, que organizou a tentativa de ir buscar a vida no conhecimento disso (o corpo feminino: lá está a existência mesma), no conhecimento daquilo que encarna a vida, dessa coincidência entre essa pele e a vida que ela recobre, e na abordagem arriscada de um corpo capaz de pôr no mundo crianças (o que quer justamente dizer que ela é também a mãe para ele, mesmo que isso não seja para ela de uma importância particular). Eis aquilo que ele quer tentar, tentar vários dias... talvez mesmo durante toda sua vida. Está aí seu pedido, e ele o deixa claro em resposta à questão: Tentar o quê? Vós dizeis: Amar. Uma tal resposta pode parecer ingênua, tocante também, na medida de sua ignorância, como se o amor pudesse nascer de um querer-amar (ela responderá, a gente se lembra disso: Jamais de um querer) e como se o amor, sempre injustificável, não supusesse o encontro único, imprevisível. E, entretanto, em sua ingenuidade, ele talvez vá mais longe do que aqueles que creem saber. Nessa mulher fortuita, com quem ele quer tentar, tentar, é com todas as mulheres, com sua magnificência, seu mistério, sua realeza, ou mais simplesmente, com o desconhecido que elas representam, com sua «realidade derradeira», que ele só pode se confrontar; não há uma mulher qualquer, não é pela decisão arbitrária da escritora que esta mulher adquire pouco a pouco a verdade de seu corpo mítico: isso lhe é dado e é o dom que ela faz sem que possa ser recebido, nem por ele nem por pessoa alguma, talvez somente, e parcialmente, pelo leitor. A comunidade entre esses dois seres, que não se coloca jamais num nível psicológico, nem sociológico, a mais assustadora que seja e, entretanto, a mais evidente, ultrapassa o mítico e o metafísico.



Há muitas relações entre eles: da parte dele, um certo desejo – desejo sem desejo, já que ele pode se unir a ela, e que é, antes, ou que é, sobretudo, um desejo- saber, uma tentativa de nela se aproximar daquilo que se subtrai a toda abordagem, de vê-la tal como ela é, e, no entanto, ele não a vê; ele sente que não a jamais (nesse sentido, é sua anti-Beatriz, Beatriz estando toda na visão que sentem dela, visão que supõe a escala de todas as visões, da visão física fulminante à visibilidade absoluta onde ela não se distingue mais do Absoluto mesmo: Deus, o teos, teoria, o último daquilo que é para ver) – e, ao mesmo tempo, ela não lhe inspira nenhuma repugnância, somente uma relação de aparente insensibilidade que não é da indiferença, se ele chama lágrimas e ainda mais lágrimas. E talvez a insensibilidade abra o homem que crê se deter nela a um prazer que não se saberia nomear Talvez vós tomeis dela um prazer desconhecido de vós, não sei (portanto, a instância suprema não pode se pronunciar: o prazer é essencialmente aquilo que escapa); do mesmo modo, ela lhe descobre a solidão, ele não sabe se esse corpo novo que ele alcança sem poder alcançá-lo o torna menos sozinho ou ao contrário o faz se tornar sozinho: anteriormente, ele não sabia que suas relações com os outros, seus semelhantes, eram talvez também relações de solidão, deixando de lado, por pudor, conveniência, submissão aos costumes, esse excesso que vem com o feminino. Seguramente, à medida que o tempo passa, discernindo que com ela precisamente o tempo não passa mais, e que assim ele é privado de suas pequenas propriedades, «seu quarto pessoal» que, sendo habitado por ela, é como que vazio – e é esse vazio que ela estabelece que faz com que ela seja de mais –, vem ao pensamento dele que ela deveria desaparecer e que tudo seria aliviado se ela se reencontrasse com o mar (de onde ele crê que ela vem), pensamento que não ultrapassa a veleidade de pensar. Entretanto, quando ela verdadeiramente tiver se retirado, ele provará uma espécie de arrependimento e um desejo de revê-la, na nova solidão que a súbita ausência dela cria. Só que ele comete o erro de falar disso para os outros e mesmo de rir disso, como se essa tentativa que ele empreendeu com uma extrema seriedade, prestes a consagrar a ela toda sua vida, deixasse em sua memória apenas a derrisão do ilusório. O que é justamente um dos traços da comunidade, quando essa comunidade se dissolve, dando a impressão de jamais ter podido ser, mesmo tendo sido.




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Fragmento extraído de: 
A Comunidade Inconfessável -  Lumme Editor (2013)










20 de jun. de 2014

Convidados / COLÓQUIO MARGUERITE DURAS





COLÓQUIO MARGUERITE DURAS
Uma Poética do Transbordamento

em celebração ao centenário da escritora

Dias 25 / 26 / 27 de setembro | 2014 - Belém (PA)

Local: CINEMA OLYMPIA | Av. Presidente Vargas - Nº 918  






CONVIDADOS:




 Juliana Manhães

Atriz-performer, dançarina, pesquisadora e arte educadora. Mestre em estudos da performance, e a pesquisa “Memórias de um corpo brincante: a brincadeira do cazumba no Bumba-Boi Maranhense” e doutora em Artes Cênicas com a pesquisa “Um convite à dança: Performances de Umbigada entre Brasil e Moçambique”, com orientação de Zeca Ligiéro na UNIRIO (Universidade federal do Estado do Rio de Janeiro). Há quinze anos faz parte do Núcleo de Folguedos Brasileiros As Três Marias –no Rio de Janeiro e do Boi da Floresta do mestre Apolônio Melônio no Maranhão, pesquisando as manifestações populares brasileiras. Realiza a oficina A Roda dos Brincantes Festeiros; atua no monólogo Divino Emaranhado e atualmente realiza o espetáculo Umbigar, inspirado em danças de umbigada afro-brasileiras, selecionado pelo prêmio FUNARTE Klauss Vianna de dança de 2010 e pelo FADA – Fundo de apoio a Dança do Rio de Janeiro em 2011. Ganhou no segundo semestre de 2012 a bolsa PDSE sanduíche de Doutorado e foi pesquisar por cinco meses em Moçambique pela CAPES. No ano de 2014 foi selecionada para o curso École de Sables no Senegal com a coreógrafa Germayne Acogny

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 Ana Maria Medeiros da Costa (RS)


Psicanalista, membro da APPOA, Profa. colaboradora do PPG em Psicanálise da UERJ, Pesquisadora do CNPq, Coordenadora da Rede de Pesquisa Escritas da Experiência, autora dos livros "Tatuagem e marcas corporais" (Ed. Casa do Psicólogo), "Clinicando" (APPOA), "Sonhos" (Jorge Zahar), "Corpo e escrita" (Relume-Dumará), "A ficção do si mesmo" (Cia. de Freud).


                                                             


Agostinho Ramalho (MA)





Agostinho Ramalho Marques Neto, Psicanalista, professor universitário nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política. Membro fundador do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Fe deral do Paraná. Membro da Academia Maranhense de Letras.​ Autor do livro A Ciência do Direito: Conceito, Objeto, Método. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, e de vários artigos publicados nas áreas de Filosofia do Direito, Filosofia Política e Teoria Psicanalítica.

                                                            
                                                             ● 





Dayse Rabelo (PA)


Seduc/PA. Pesquisadora da obra de Duras, com dissertação “Espaço e Memória em O Vice-Cônsul de Marguerite Duras” pela UFPA, em 2010.


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Dominique Fingermann (Fr/SP)




Psicanalista, diplomada em Psicologia Clínica pela Universidade Paul Valéry (Montpellier, França), DESS pela Universidade de Provence Aix-marseille. É membro da IF-EPFCL (Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano) e Analista Membro da Escola (AME) da mesma instituição. É Representante Brasileira no colegiado diretor da IF-EPFCL. Autora do livro “Por Causa do Pior em parceria com Mauro Mendes Dias” (Editora Iluminuras,  2005).

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Elisabeth Bittencourt (RJ)


Psicanalista e Escritora. Analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Coordenadora dos Encontros de Psicanálise e Direito da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Foi consultora do Projeto contra a violência sexual da Secretaria de Saúde do estado do Pará. Autora do livro “A vaidade no feminino” (Cia de Freud).


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Flávia Trocoli (RJ)


Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Pós-Doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. É membro-fundador do Centro de Pesquisas Outrarte - psicanálise entre ciência e arte, do IEL/UNICAMP.

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 Luciana Brandão Carreira (PA)



Poeta, ensaísta, escritora, psicanalista e psiquiatra. É doutora em Psicanálise pela UERJ, com doutorado sanduíche na Université Paris XIII, bem como pesquisadora da rede internacional de pesquisa Escritas da Experiência (CNPq). É professora adjunto da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e supervisora clínica do ambulatório de Saúde Mental no Cesupa, em Belém. É autora dos livros “Entre “(Verve, 2014) e “Os tempos da escrita na obra de Clarice Lispector – no litoral entre a literatura e a psicanálise” (Cia de Freud, 2014). 

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Luciana Silviano Brandão Lopes (MG)


Doutoranda em Literatura Comparada - UFMG


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Nilson Oliveira (PA)


Escritor e ensaísta, editor da revista Polichinello. Autor de "A literatura e os possíveis da escrita literária" (Lumme Editor, 2011)

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 Paulo Fonseca Andrade (MG)


Professor da UFU. Doutor em Literatura Comparada (2005) pela Universidade Federal de Minas Gerais, com a tese "Nada no dia se vê da noite esta passagem: amor, escrita e tradução em Marguerite Duras", atualmente é professor de Literatura na Universidade Federal de Uberlândia, atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Estudos Literários. Realiza pesquisa sobre a experiência literária a partir de Maurice Blanchot e Marguerite Duras. Nos últimos anos, tem se dedicado também ao ensino de Literatura Infantil e Juvenil.

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 Ruth Silviano Brandão (MG)


Ruth Silviano Brandão é doutora em Literatura Comparada pela UFMG, com Pós-doutorado pela Universidade de Paris VIII. É ensaísta, romancista, poeta, tradutora e artista plástica. Dentre seus livros, constam: Mulher ao pé da letra-a personagem feminina na literatura, Machado de Assis leitor (pela ed. UFMG), A vida escrita (7Letras), A mulher escrita (Lamparina), Literaterras (Annablume) e A força da letra (Ed. UFMG), os três últimos em co-autoria com Lúcia Castello Branco. Escreveu romances com,o Minha ficção daria uma vida, poesia: Ventos e sóis alumbram o dia , traduziu O nascimento da poesia - Antonin Artaud, de Jean-Michel Rey (Autêntica) dentre outros,É pesquisadora nível1 do CNPq.